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Desconstituição da paternidade após exame de DNA negativo

Dra. Gabriela Motta

O entendimento pacífico do nosso ordenamento jurídico é no sentido de que a relação paternal não se restringe aos casos em que há vínculo biológico, podendo ser estabelecida por outras vias, como ocorre, por exemplo, nos casos de adoção, inseminação artificial e de socioafetividade.

 

Para o reconhecimento da paternidade socioafetiva, devem ser preenchidos três requisitos, a saber: a) tratamento –quando o indivíduo é tratado na família como filho; b) nome – quando o filho utiliza o sobrenome dos pais; e c) fama  – quando há repercussão social da relação de filiação.

 

O Judiciário enfrenta desafiadora questão sobre o tema, que é justamente a desconstituição da paternidade, após o resultado negativo do exame de DNA, em relação ao genitor que acreditava ser pai biológico da criança.

 

Sobre o tema, o Judiciário tem o entendimento de que, o registro civil de nascimento de um filho, realizado com a firme convicção de que existia vínculo biológico com o genitor, situação desconstituída posteriormente com a realização de exame de DNA, configura erro substancial apto a modificar, em tese, o registro de nascimento.

 

Embora a paternidade possa ser revista na situação relatada, a retificação do registro de nascimento do menor e a desconstituição da obrigação alimentar e/ou direitos sucessórios não ocorrem de forma automática, sendo necessária a comprovação de que, durante os anos em que conviveu como se genitor biológico fosse, não houve a criação de vínculo socioafetivo capaz de justificar a manutenção do pai biológico e do pai socioafetivo no Registro Civil, mantendo-se as obrigações e regras de sucessão.


Caso a paternidade socioafetiva se confirme, deve o genitor cumprir com todos os deveres parentais, sob pena de incorrer, inclusive, nas penalidades por abandono afetivo, uma vez que “o reconhecimento do parentesco socioafetivo produz os mesmos efeitos pessoais e patrimoniais do parentesco biológico, tanto para os pais, quanto para os filhos” (TJ-SP - Habeas Corpus Criminal: 2306037-67.2022.8.26.0000 -  Araçatuba, Relator: Erika Soares de Azevedo Mascarenhas, Data de Julgamento: 13/02/2023, 15ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 13/02/2023).

 

Em ambos os casos (ou seja, reconhecendo-se ou não a paternidade socioafetiva), a genitora que intencionalmente omitiu a informação acerca da paternidade poderá ser condenada ao pagamento de reparação por danos morais, decorrentes da dor e sofrimento ocasionados pela quebra da expectativa relativa à paternidade.

 

Cite-se, a este respeito, os seguintes precedentes jurisprudenciais:

 

APELAÇÃO. Indenização por dano moral por falsa paternidade – Exame de DNA que indica que o apelante não é genitor biológico do filho da apelada. Sentença improcedente. Irresignação – Dano moral – Ato ilícito comprovado - presença nexo causal – parte apelada que confirma que durante o matrimônio possuiu relacionamento extraconjugal havendo engravidado meses depois, imputando a paternidade ao apelante. Ré que omitiu do apelante o relacionamento com terceiro. Dano moral configura e arbitrado em R$ 10.000,00 - Recurso Parcialmente provido. (TJSP;  Apelação Cível 1015380-14.2021.8.26.0001; Relator (a): Vitor Frederico Kümpel; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 8ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/04/2024; Data de Registro: 03/04/2024)


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Autor que sustenta ter descoberto, após divórcio, não ser o pai biológico da filha da requerida. Sentença de procedência. Apelo interposto pela requerida. Lesão anímica caracterizada pela ofensa à personalidade. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO.  (TJSP;  Apelação Cível 1002136-88.2022.8.26.0322; Relator (a): Wilson Lisboa Ribeiro; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Lins - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/02/2024; Data de Registro: 09/02/2024)

 

RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Procedência decretada – Imputação de falsa paternidade que perdurou por aproximadamente 19 (dezenove) anos – Requerida que, por boa-fé, deveria ter informado o autor acerca da probabilidade de a paternidade ser de terceiro, mas não o fez - Inadmissibilidade da alegação da defesa – Dano Moral – Comprovação necessária – Culpa caracterizada – Indenização devida – Valor proporcional à extensão do dano (R$ 20.000,00) – Precedentes - Demonstrado que os fundamentos externados pelo juízo de primeiro grau se prestam perfeitamente a dar embasamento para rejeitar o inconformismo da parte requerida e que, em virtude de sua clareza e rigor, são aqui adotados como razões de decidir – Sentença confirmada - Honorários sucumbenciais devidos pelo autor que devem majorados conforme previsão contida no Artigo 85 do Código de Processo Civil c/c 98 do mesmo Diploma Processual, diante do trabalho adicional realizado em grau recursal – Recurso improvido. (TJSP;  Apelação Cível 1004341-95.2023.8.26.0309; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jundiaí - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 06/11/2023; Data de Registro: 06/11/2023)

 

Para fazer jus à reparação o genitor deverá observar o prazo prescricional de três anos, contado da data em que tomou conhecimento da inexistência de paternidade biológica, nos termos dos precedentes abaixo mencionados:

 

(...) Ao contrário do que sustenta a recorrente, a r. sentença proferida bem afastou a preliminar de prescrição, visto que se aplica ao caso o prazo trienal, cujo termo inicial coincide com a data do exame de DNA (01/12/2020), ocasião em que o autor tomou ciência de que não era o genitor da menor. Destarte, atentando-se para o fato de que a presente ação foi proposta em 04/05/2022, constato não ter decorrido o prazo prescricional e, por isso, era mesmo o caso de rejeitar a tese prescricional (...). (TJSP;  Apelação Cível 1002136-88.2022.8.26.0322; Relator (a): Wilson Lisboa Ribeiro; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Lins - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/02/2024; Data de Registro: 09/02/2024)

 

(...) Inicialmente, afasta-se a alegada ocorrência de prescrição. De acordo com o art.206, §3º, inciso V, do Código Civil, prescreve em três anos a pretensão de reparação civil. Constados autos que o autor confirmou a falsa paternidade biológica em 01/12/2020, data do exame de DNA (f. 19/22). Por sua vez, a ação foi ajuizada em 04/05/2022, estando dentro, portanto, do prazo trienal, não havendo que se falar em prescrição (...). (3ª Vara Cível do Foro de Lins/SP - Processo Digital nº: 1002136-88.2022.8.26.0322 - Indenização por Dano Moral. Requerente: Samuel Vaz da Silva. Requerido: Uiara Aparecida de Jesus Silva).


O que se conclui, portanto, é que a natureza jurídica do conceito de família sofreu alterações ao longo dos últimos anos, de forma que hoje não traduz apenas vínculos de afeto, mas, igualmente, obrigações, possibilitando a intervenção do Poder Judiciário visando a garantia dos direitos e do equilíbrio social.

 

Afinal, “o desafio fundamental para a família e das normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia e à liberdade de escolha com os interesses de ordem pública” (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 194).

 
 
 

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